26 outubro 2013

Sincronicidade espiritual


 
           Se o Carlos Gustavo algum dia viesse ao Brasil, certamente ele passaria a usar no pulso esquerdo umas fitinhas de Nosso Senhor do Bonfim, se tornaria afilhado de mãe Menininha do Gantois e, no Carnaval, desfilaria no bloco dos Filhos de Gandhi, em lugar de perambular pelas selvas africanas a pretexto de conhecer os hábitos incomuns de povos exóticos. Ele não deixaria de ir de busão à cidade de Pedro Leopoldo, onde, numa modesta casa térrea, às sextas-feiras, a partir das 20 horas, número impensável de pessoas preenchia a aparentemente pequena sala de estar, sentadas numas cadeiras duras de madeira, lado a lado, em várias fileiras, como se aquilo fosse uma sala de aula. Lá adiante haveria uma mesa com uma misteriosa pilha de folhas de papel sulfite branco tamanho A3 e lápis, muitos lápises, como certamente escreveria Carlos Gustavo à sua esposa oficial Emma e à oficiosa Toni, todos agrupados ao lado da pilha, prontos para serem devorados, completaria ele.
À hora marcada, um senhor de meia idade, com um eterno meio sorriso no rosto, boné xadrez na cabeça e impensáveis óculos escuros sobre o nariz entraria na sala e provocaria um silêncio ainda maior entre os presentes. Ele se sentaria numa cadeira tão dura quanto aquelas outras, tendo como companhia duas senhoras, uma de cada lado, vestidas pobremente, jeito de professoras primárias, que ali permaneceriam de pé durante todo o tempo em que se desenrolaria aquilo que os entendidos ali chamam de “trabalho”.
Ele tiraria os óculos, apoiaria o cotovelo esquerdo sobre a mesa e ergueria a mão respectiva, sobre a qual agora apóia o rosto, de tal maneira que seus olhos fechados fossem envolvidos pela mão em concha. Ele resmungaria algumas frases ininteligíveis que uma das senhoras traduziria em voz alta e firme para os presentes, que, ao final, profeririam um uníssono amém, que o Carlos Gustavo também repetiria, com seu sotaque suíço.
Quando o recém-chegado der um sinal, uma das senhoras lhe porá na mão direita um dos inúmeros lápis que ali aguardavam ser usados. A outra senhora então colocará uma das folhas à frente dele, que passará a escrever mecanicamente linhas sucessivas, até preencher a folha. Feito isso, a senhora da direita dele, com precisão suíça, retirará aquela folha e porá no alto dela um número, enquanto a senhora à esquerda dele colocará uma nova folha diante do escrevinhador mecânico, que preencherá também esta em poucos segundos, operação que se repetirá por mais de uma hora, substituindo-se o lápis gasto por outro de tempos em tempos. Sou testemunha ocular disso tudo.
Quando chegar o momento, ele depositará delicadamente o mais recente lápis em uso sobre a mesa, a indicar que a sessão de psicografia terminou. Carlos Gustavo dará um suspiro de emoção e aguardará que Chico Xavier seja levado da sala, para que se inicie a segunda parte dos trabalhos, quando aquelas senhoras decifrarão os garranchos escritos por ele. Serão mensagens de exortação, geralmente tendo ao final a ininteligível, para Carlos Gustavo, palavra Emmanuel, palavra que lhe parecerá haver lido há muito tempo na versão original da Bíblia, ou serão recados transmitidos por espíritos que já desencarnaram, como ali se diz quando se quer referir à morte de alguém, e que, em vida, correspondiam a filhos, pais ou amigos de algum presente, que se emocionará às lágrimas quando identificar o autor daquele texto e que certamente sairá dali menos aflito do que entrou.
Carl Gustav Jung começou a interessar-se pelo espiritismo quando leu Dreams of a Spirit Seer, escrito por um filósofo alemão respeitabilíssimo que era xará do mensageiro divino que agora se manifesta ali, diante dele, algo que ele fatalmente colocaria no rol de sincronicidades que estava a colecionar: Immanuel Kant. Sendo também cientista, o suíço não deixaria de observar que aquilo que acabava de presenciar pouco tem a ver com as sessões espíritas por ele freqüentadas na Suíça e que têm como médium principal sua prima Helly, que, dentre outros feitos, escandalizou a família dizendo que uma prima distante seria brevemente mãe de uma criança negra. E eles nem sabiam que ela morava no Brasil, onde se casara com um nativo.
Aliás, essa curiosidade científica lhe valeu o rompimento de seu estimado mestre, mais que mestre, pai adotivo, o ranzinza Sigismundo. “Misticismo nada tem a ver com ciência”, diria o mestre vienense, porém em vão. As experiências pessoais de Carlos Gustavo certamente o levariam mais para a seara de Francisco Cândido Xavier do que para o grupelho de Sigismund Freud, composto de bajuladores e oportunistas, que não terão dúvida alguma em apagar da lista de convidados o nome de Carl Gustav Jung quando o rompimento se materializasse, como se materializou. “Melhor a gente não se falar mais” (“I propose that we abandon our personal relations intirely”, se se preferir a versão inglesa), disse o pai adotivo ao filho rebelde em carta curta e grossa datada de 3 de janeiro de 1913 e que levou o terapeuta suíço a conhecer de perto com quantas letras se escreve a palavra depressão.
Um encontro entre Jung e Chico Xavier, quando ambos peregrinavam por este vale de lágrimas, não seria algo de todo inimaginável, fosse na cidadezinha de Pedro Leopoldo, em Minas Gerais, fosse em Uberaba, no Estado do Triângulo Mineiro, como dizem seus moradores, para onde se mudara o vidente e onde veio a falecer. O primeiro nasceu em 26 de julho de 1875 e morreu em 06 de junho de 1961, enquanto o segundo encarnou em 02 de abril de 1910, daqui partindo no dia 30 de junho de 2002, cumprindo sua conhecida profecia: “Vou partir num dia em que o povo brasileiro estará tão feliz por outro fato que nem perceberá minha ida”. Entre lamentar a partida do maior médium que o mundo conheceu e festejar a vitória numa copa do mundo de futebol, qual brasileiro vacilaria antes de escolher?
Quando Chico começou a oficializar as visões que já tinha na infância, Carlos Gustavo estava no auge de sua pesquisa científica, com menos de 60 anos de idade. Ainda tentaria entender as coisas do além até depois dos 80 anos, quando teria suspirado a um amigo próximo: “why they don’t understand me?” Ele se referia aos espíritos do lado de cá.
Ao contrário do judeu Freud, o ariano Jung, que o outro, levianamente, diria ser anti-semita, sem qualquer base em fatos reais, até porque Jung merecia tanta confiança dos chamados “aliados” que foi, depois da morte de Hitler, convocado para redigir uma carta que seria despejada, aos milhares, sobre a Alemanha, concitando os germânicos a reconhecerem a derrota, era um mente aberta. Tanto em suas memórias, como em seus sonhos e em suas reflexões, ele dizia, para quem se dispusesse a ouvir, que tivera na vida inúmeras experiências que a ciência não conseguia explicar. Que diria Freud se ele lhe contasse que certa ocasião apareceram em sua casa uns espíritos que, antes de invadir a sala, tocaram freneticamente a campainha da porta, o que foi testemunhado pela cética Emma, sua esposa oficial? Os visitantes não estavam para brincadeira e o obrigaram a escrever um livro sobre um tema que jamais o havia ocupado cientificamente. Em apenas três dias estava pronta uma estranha narrativa, escrita em linguagem arcaica. Era o “Sete Sermões”, cuja autoria ele, tal como faz hoje a Zibia Gasparetto, tinha escrúpulos em atribuir a si mesmo.
O desencontro entre ambos somente se deu porque o suíço, que embora fosse um naïf, filho de um ministro protestante mais pobre do que ficara Jó ao fim da disputa entre Deus e o Diabo, alçou vôos inimagináveis em sua infância, graças ao dinheiro de sua esposa, que também era sua sponsor científica, preferindo ele deslumbrar-se com os tapetes vermelhos cobertos de notas verdes que deslumbradas norte-americanas lhe estendiam, quando cruzava o Atlântico para ser hospedado por elas, do que descer ao exótico país do sul do continente americano, onde o esperariam experiências com extravagâncias como o contato com o além, que, além disso, lhe renderia honorários bem menores, se algum. Tivesse ele economia própria e certamente poria em campo a esposa reserva, Toni, que, embora batesse um bolão mais redondo do que a titular Emma, contentava-se, por amor à camisa dele, a ficar no banco de reservas, ao lado de pernas-de-pau que não eram dignas nem de amarrar o espartilho da amante oficial.
E olhe que fenômenos espíritas não lhe faltavam no vasto currículo, como testemunhou o próprio judeu cabeça dura quando, visitando o então filho adotivo, ouviu um estrondo dentro de uma gaveta. Aberta a cômoda, o suíço exibiu-lhe uma espada feita do mais legítimo aço nacional, que se espatifara naquele preciso momento em três pedaços, coisa que até mesmo o cardeal Ratzinger não teria dúvida em mandar incluir no seletíssimo grupo de fatos que são guardados por ele a sete chaves sob o rótulo de “milagres”.  Freud, na ocasião, examinou demoradamente as evidências número um, número dois e número três mas se recusou a ver ali algo maior do que um belo truque que algum Houdini houvesse ensinado ao pouco científico pesquisador suíço. Dado seu inapelável veredito, limitou-se a acender seu charuto, gesto que o outro interpretou como algo mais do que o mero acendimento de um charuto. A que respondeu acendendo seu cachimbo, talvez pensando nalgum orifício da mãe do judeu.
O fato é que Carl Gustav Jung, talvez pelas experiências extra-sensoriais que tenha experimentado desde que se conheceu por gente esquisita e ensimesmada, não dava às coincidências a desimportância que os cientistas racionais lhe dedicavam a elas naquela época. Ao contrário disso, quando aquela cliente de cabeça tão dura quanto as do Freud lhe narrou que naquela noite ela havia sonhado com um escaravelho e ele tentou mostrar a ela que aquele inseto continha uma mensagem a ser decifrada, pois correspondia a um símbolo apreciado pelos egípcios, qual foi a reação dela? Uma risada tão materialista quanto a que lhe daria o antigo mestre em situação semelhante. Aí entra em cena o rodriguiano Imponderável da Silva: um barulho na vidraça da sala onde estava a cliente e seu terapeuta, que, abrindo a janela, recolhe nada mais nada menos do que um escaravelho, autor do tal oportuno barulho, que o terapeuta entrega à cliente. “Foi este o inseto que apareceu no teu sonho?” A moça quase desmaiou e a partir daí começou a entrar pra valer na terapia do mestre suíço.
Assim é a vida, madame.

18 outubro 2013

A justiça e o cinema


 
“A verdade não só é muito mais incrível do que a ficção como é muito mais difícil de inventar.” Millôr Fernandes
 

Que é a verdade? Dentre outras definições possíveis, gosto desta: é a conformidade perfeita entre um fato ou objeto e sua representação mental. Os antigos diziam, por isso, que nihil est in intellectu quod non  prius in  sensibus. Em linguagem de vivos: para que algo chegue à nossa mente, deve antes passar pelos nossos sentidos.
É aí que a porca torce o rabo, pois nossos sentidos nem sempre são dignos de muita confiança, a começar pela visão. Cada leitor tem casos e mais casos para contar sobre as inúmeras vezes em que “tomou a nuvem por Juno”, como diziam meus avós. A bolorenta frase refere-se ao fato de as nuvens formarem figuras, que nossa imaginação vai batizando. Aquilo que para uns é um coelho, para outros talvez seja um canguru. E quando chamamos um terceiro para desempatar, a nuvem já virou outra coisa.
Talvez tenha sido a partir de uma experiência dessas que o psicanalista suíço Hermann Rorschach desenvolveu seus estudos no sentido de estabelecer a relação entre imagens captadas por nossos olhos e o significado psicológico da denominação que damos a elas. Suas tábuas, com manchas coloridas e em preto-e-branco têm sido objeto de estudo e de crítica, até porque a morte precoce do suíço, antes dos 40 anos, não lhe permitiu, certamente, desenvolver seu trabalho.
As pessoas privadas de visão dizem que, na ausência dela, os demais sentidos ficam mais aguçados. Já falei sobre isso e não preciso voltar ao tema.
O filme Dúvida, uma peça de teatro filmada e indicado ao Oscar, especialmente pela interpretação do quarteto central de atores, coisa rara de acontecer, trabalha esse tema: pode-se chegar à verdade por meio da mentira?
Aliás, o próprio cinema é uma mentira: imagens exibidas sucessivamente, à razão de 24 por segundo, dão-nos a impressão de que algo se movimenta, tanto que, quando o primeiro filme foi exibido, mostrando um trem que chegava à estação e vinha na direção dos espectadores, muitos deles fugiram.
É curioso como a mentira é contagiante. Lembro do caso de uma brasileira, que vivia no Exterior e se declarou vítima de maus tratos cometidos por xenófobos, que lhe teriam escrito um palavra na coxa com um estilete. O nosso então presidente oficial, que não prima pela continência verbal, saiu a campo para defender a pretensa vítima. Nosso ministro das Relações Exteriores da época, homem sabidamente escolado, caiu no conto do vigário e extrapolou em críticas inadequadas a quem ocupa tal cargo. Curiosamente, ninguém por aqui se preocupou com alguns aspectos bizarros da coisa. Em primeiro lugar, a agressão se teria passado em local público, em pleno dia, não tendo sido visto por ninguém. Em segundo lugar, os riscos produzidos com estilete no corpo da jovem (todos eles na parte dianteira do corpo) eram todos superficiais, sugerindo extrema calma por parte do seu autor. Por fim, quem se dispusesse a virar a foto de cabeça para baixo notaria que a letra “S” está de cabeça para baixo em ambas as pernas, o que sugere auto-mutilação. Por que nenhum de nós notou nada disso? Talvez porque temos a tendência de ver o que queremos ver.   
O assunto, nas lides forenses, sempre vem a baila, pois a certeza do juiz deve fazer-se a partir de provas, não bastando meros indícios. Beyond a reasonable doubt, como dizem eles lá em cima. Ocorre que uma dúvida que não é razoável para uns será, possivelmente, razoável para outros. Tanto que há os votos vencidos. Certo, Lewandowski?
O Instituto Brasileiro de Ciências Criminais vem de encarregar-me, um cinéfilo confesso, de elaborar a exibição um ciclo de filmes sobre o tema “A Justiça e o Cinema”. Estou vasculhando os sebos à procura de obras raras sobre o tema, que acrescentarei aos DVDs que já possuo, como “Sobre Meninos e Lobos”, do Clint Eastwood, “Conduta de Risco”, do Tony Gilroy, “A Sombra de uma Dúvida”, do Alfred Hitchcock, “Rashomon”, do Akira Kurosawa, “Anatomia de um Crime”, do Otto Preminger, “A Vida de David Parker”, de Alan Parker, “Justiça para Todos”, do Norman Jewson, “Mephisto”, do István Szabó, “12 Homens e uma Sentença”, do Sydney Lumet, “O Homem Errado”, do Alfred Hitchcock, “Os Infiltrados”, do Martin Scorsese  “Crimes e Pecados”, do Woody Allen.
Creio ser uma excelente ideia, mesmo considerando a existência de algumas diferenças entre nossos costumes e os dos norte-americanos, pois lá, como sabido, lugar de criminoso costuma ser a cadeia. E o tempo da pena foi estabelecido para ser cumprido.
Aceito sugestões, desde que se refiram a filmes disponíveis no mercado.

09 outubro 2013

Emprego certo


 
Ainda não li o resultado de algum estudo sério sobre a relação entre o nome da pessoa e seu comportamento. Será que alguém chamado Jesus não se constrangeria ao ser tentado a cometer um crime? Aliás, já narrei alhures que minha vocação de juiz criminal foi despertada quando fui chamado a desempatar um julgamento relativo a um crime cometido por alguém que tinha a responsabilidade de trazer tal nome. Por outro lado, a única vez na vida em que, já adulto, quase fui agredido fisicamente por alguém o quase agressor tinha o nome de Pacífico.
Há pessoas que modificam a grafia do nome porque, segundo alguém chegado à numerologia, isso beneficiará seu futuro. Qual a relação entre um número de letras do nome e o sucesso profissional eu desconheço. Sei que até o Jorge Ben entrou nessa e arrumou um Benjor não sei de onde, pois o nome que lhe deram na pia batismal, lá se vão quase 70 anos, foi Jorge Duílio Lima Meneses .
Se você está para ser mãe e já sabe o sexo do seu filho, ou se você já está comprando caixa de charutos para distribuí-los entre os colegas de escritório (nem sei se essa prática politicamente incorreta ainda tem seguidores), tomo a liberdade de dar-lhes algumas sugestões de nomes, com a certeza quase absoluta de que eles serão bem sucedidos na profissão óbvia que virão a escolher.
Aí vai a lista:
 
Adailton
Adenilson
Alison
Anderson
Ayrton
Bergson
Callyson
Clayton
Cleberson
Cleiton
Edenilson
Ederson
Edson
Eilton
Élson
Elton
Emerson
Eron
Everton
Ferron
Gilson
Gledson
Helton
Ibson
Jackson
Jadson
Jefferson
Joadson
Jobson
John
Joilson
Keirrison
Liedson
Lincoln
Maicon
Marion
Maycon
Maylson
Neilson
Ramon
Saimon
Sueliton
Uelliton
Wallysson
Wanderson
Washington
Weldon
Welington
Welinton
Wellington
Weverton
Wilson
Yotun
 
 
Por que “certeza quase absoluta”? Porque não existe no mundo todo, nem na Escócia, tantos jogadores profissionais com o nome terminado em “on”. E olhe que não registrei nomes repetidos. Não fosse isso, só de Maicons caberiam bem uns dez. Aliás, diz a lenda que a mãe do primero deles não pretendeu homenagear, como se supõe, o Maicon Jackson, mas o filho do Kirk Douglas.
Por falar em homenagem, se você pretender homenagear o comandante inglês que acabou transformando o Brasil em sede do governo português, com a fuga de D. João VI, você terá três opções de nome: Welington, Welinton e Wellington.
Isso tudo para não falar no Palmeiras, que fez reencarnar Hypollite Leon Denizard Rivail, para trazer o time de volta à primeira divisão de futebol.
 

03 outubro 2013

Ninguém está lá


 
“Ser poeta não é minha ambição.

É a minha maneira de estar sozinho.”

 

Alberto Caeiro, pela mão de Fernando Pessoa

 

 

Estou ao telefone há horas,

a perguntar insistentemente

e tudo o que oiço é minha própria voz,

sem eco algum do outro lado.

Ninguém está lá,

eis o que concluo.

Ou finge não estar,

certamente sabedor de que quem está cá

outro não é que não eu.

Tenho por impossível que todos saiam ao mesmo tempo,

máxime em manhã frígida como esta,

pleno sábado,

neve aos cântaros,

ventos uivando pelas ladeiras,

a levantar gravetos

e toda espécie de impurezas

pelo vento levantáveis.

Quem se disporia

a ter as saias levantadas?

Cabelos desalinhados?

Cachecóis a esvoaçar,

quais enormes borboletas

presas ao nosso pescoço?

E tudo apenas

para não me atenderem

ao chamado telefônico.

 

Não!

Positivamente, mangam de mim.

Vejo-os ao lado do aparelho,

a contar-lhe os rogos todos,

que lhes ecoam pela casa,

como gritos de súplica

de um quase afogado.

Riem-se uns aos outros

e não admira

que a moçoila leve os dedos aos lábios,

como a temer

que eu de cá lhe escute

os abafados risos.

 

Tola!

Então não sabes

que a condição primeira,

sine qua non eu diria,

para que eu te escute

é dizeres sim

ao depois de alçares do gancho

esse maldito aparelho de escuta?